05 Fevereiro 2021 SINOPSE

Epilepsia: o que é, como se diagnostica e trata, o que fazer perante uma crise?

Epilepsia: o que é, como se diagnostica e trata, o que fazer perante uma crise?

O que é a epilepsia e quais as suas causas? O que são crises epiléticas? Como é feito o diagnóstico? Que tratamentos existem? Como proceder se vir alguém a ter uma crise epilética? Estas são algumas das questões colocadas pelo Dr. Axel Ferreira (interno de Neurologia na Unidade Local de Saúde de Matosinhos/Hospital Pedro Hispano) ao Dr. Pedro Correia (neurologista na Unidade Local de Saúde do Alto Minho/Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo), no 4.º episódio da websérie SINOPSE, que a Sociedade Portuguesa de Neurologia lança a propósito do Dia Internacional da Epilepsia, 8 de fevereiro.

A epilepsia é uma doença do sistema nervoso central que provoca descargas elétricas anormais dos neurónios (células cerebrais), podendo resultar em sintomas variados, dos quais o mais comum é a convulsão. “Para se considerar que a pessoa tem efetivamente a doença é necessário que haja uma predisposição duradoura para estas crises, sem que sejam provocadas por outras causas, como uma febre muito alta”, explica Pedro Correia. De acordo com o especialista, estima-se que a epilepsia afete uma em cada 200 pessoas em Portugal.

 

 

As causas desta doença podem ser diversas. “Em geral, nos recém-nascidos e nos bebés no primeiro ano de vida, a epilepsia faz parte de um conjunto de sintomas de doenças genéticas e hereditárias. Quando surge mais tarde, até à adolescência, por norma, também resulta de doenças genéticas, embora, em geral, apareça de forma mais isolada. Nas epilepsias com início na idade adulta, a causa não costuma ser genética, mas sim uma ‘cicatriz’ de agressões prévias ao cérebro. É o caso, por exemplo, de um adulto jovem que tem um traumatismo cranioencefálico num acidente de viação, recupera totalmente, mas, anos mais tarde, começa a ter crises epiléticas. Nos idosos, a causa mais frequente é o acidente vascular cerebral”, elucida Pedro Correia.

Principais tipos de crises epiléticas

Segundo o neurologista, as crises epiléticas não são todas iguais. O tipo mais conhecido é a convulsão, clinicamente denominada de crise tónico-clónica bilateral. “Tipicamente, o doente perde a consciência, os membros superiores e inferiores ficam rígidos e com tremores muitos violentos, os doentes podem morder a língua e ter incontinência urinária. Por norma, estas crises convulsivas duram dois a três minutos, após os quais os movimentos violentos param gradualmente e a pessoa vai recuperando a consciência aos poucos, podendo sentir-se confusa, com sono ou com dor de cabeça durante alguns minutos após o episódio.”

O outro tipo de crise comum é a chamada “ausência”, que consiste numa paragem de comportamento. “A pessoa interrompe o que estava a fazer, fica com o olhar alheado, não responde quando é interpelada e pode ter pequenos movimentos automáticos, como mexer com as mãos na roupa ou mastigar em seco. Geralmente, estes episódios também duram cerca de dois minutos, após os quais a pessoa normalmente nem se apercebeu de que teve uma crise”, explica Pedro Correia.

 

O QUE FAZER PERANTE UMA CRISE EPILÉTICA

Recomendações do Dr. Pedro Correia 

  • Caso se trate de uma ausência, evitar que a pessoa mantenha algum comportamento automático que possa ser perigoso, como continuar a caminhar na rua ou utilizar algum objeto cortante, e esperar calmamente que a crise passe;

  • Em caso de crise convulsiva, ter em atenção o local onde a pessoa está (por exemplo, perto de uma estrada), de modo a garantir a sua segurança;

  • Utilizar uma almofada, uma toalha ou um casaco dobrado na cabeça da pessoa para impedir que esta bata no chão;

  • Nunca introduzir objetos na boca do doente ou puxar-lhe a língua;

  • Não tentar imobilizar o doente nem dar-lhe de beber durante as convulsões;

  • Quando as convulsões terminarem, colocar a pessoa em posição lateral, para evitar que, quando recuperar a respiração, possa inspirar saliva para os pulmões;

  • Acompanhar a pessoa, ajudando-a a recuperar calmamente a consciência e uma respiração normal;

  • Chamar o 112 se:

    • Não conhecer a pessoa e não souber o que fazer;
    • For a primeira crise epilética da pessoa;
    • A crise se prolongar por mais de 5 minutos;
    • As crises forem repetidas sem recuperação dos sentidos no intervalo, ou se existir dificuldade em retomar a respiração normal no final da crise;
    • A pessoa ficar gravemente ferida ou se ocorrer alguma situação que não seja normal nas suas crises.

Diagnóstico e tratamento

Segundo Pedro Correia, o diagnóstico de epilepsia é “fundamentalmente clínico”, ou seja, é feito na consulta, através da conversa entre o médico e a pessoa que pode ter a doença, bem como familiares, colegas de trabalho ou outras pessoas próximas que possam descrever o que aconteceu nos episódios suspeitos. O eletroencefalograma, a tomografia axial computorizada (TAC) cranioencefálica ou a ressonância magnética podem ajudar a descobrir a causa da epilepsia, principalmente quando esta doença começa na idade adulta.

Na grande maioria dos casos, a epilepsia não é curável, mas a medicação antiepilética permite o controlo da doença, sem que ocorram crises. “Cerca de dois terços dos casos ficam bem controlados com um único comprimido”, refere o neurologista. A existência de vários medicamentos disponíveis permite que, caso um doente não se dê bem com um tratamento, devido aos efeitos secundários, possa mudar para outro. “Em cerca de um terço dos casos, pode ser necessário associar dois ou três medicamentos diferentes e, mesmo assim, a epilepsia não ficar bem controlada. Esta é a chamada epilepsia refratária, para a qual poderá ser possível recorrer a outro tipo de intervenção, como a cirurgia de epilepsia ou a neuroestimulação. Os doentes refratários apresentam mais comorbilidades associadas à epilepsia, como problemas psicopatológicos ou cognitivos.”

Viver com a doença

De acordo com Pedro Correia, “grande parte das pessoas com epilepsia não tem qualquer alteração a nível intelectual”, pelo que não apresenta limitações no seu percurso de estudante. Já a nível laboral, algumas atividades não são aconselhadas ou estão mesmo interditas – como a de condutor de pesados ou piloto de aviação –, dada a total imprevisibilidade das crises. Pelo mesmo motivo, algumas atividades desportivas de maior risco, como o alpinismo, o mergulho ou o paraquedismo não são aconselhadas. No que respeita à condução de veículos, a lei portuguesa indica que “uma pessoa com epilepsia poderá conduzir se estiver pelo menos um ano sem crises e após o parecer de um neurologista a atestar que não vê motivos para que a carta de condução não seja renovada”, esclarece o entrevistado. 

No que respeita ao planeamento familiar, “é bastante seguro para uma mulher com epilepsia ter filhos, mas é absolutamente necessário que a gravidez seja discutida com o neurologista, porque há antiepiléticos que podem fazer mal ao feto, podendo ser preciso alterar o medicamento ou reduzir a dose”. Em termos de hereditariedade da doença, pode haver algum risco nos casos de início na infância ou na adolescência (de causa genética), “sobretudo se o outro progenitor também tiver história familiar de epilepsia”.